quinta-feira, 24 de abril de 2008

Argentina - Movimentos "Populares" e Estudantil



Hoje participei da minha segunda marcha. A primeira foi na sexta-feira.
Aqui se faz marcha para quase tudo. La Plata, por ser uma cidade universitária de fato (são milhares de alunos cursando, não há um campus centralizado, e a cidade pelas praças e outras estruturas urbanas propicia o encontro da gente) tem um movimento estudantil muito forte. Há 3 grandes grupos - UNITE, Movimiento SUR, e COPA - e de alguma maneira os Centro de Estudantes (Centros Acadêmicos aí no Brasil) são ocupados por estes diferentes grupos. Eles dizem-se apartidários. Eu definitivamente, com minha vivência de mês e meio e pouca leitura posso avaliar a veracidade desta informação.
Mas o que quero comentar é como aqui as marchas estão constituídas como maneira de atuação política. Se no Brasil tudo acaba em pizza, aqui tudo acaba em marcha. Segundo a Lívia, é falta de Carnaval. E eu em partes concordo. Não podia acreditar no dia 23 de março, quando houve uma MARCHA pelos 30 mil desaparecidos da ditadura, na pseudomulata dançando pseudosamba ao som de uma bateria. E ao redor milhares de estudantes segurando faixas, "representando"os grupos estudantis, os estudantes que apoiavam a manifestação e exigiam do Governo (a palavra Gobierno aqui é muito mais usada que a palavra Estado) respostas às atrocidades cometidas na ditadura.
EU começo a ler está semana "Breve História de la Argentina - José Luis Romero" para tentar ampliar minha compreensão sobre a formação deste país que me acolhe por agora.
A marcha de sexta-feira era de Julio Lopez. Ele foi um dos muitos presos e torturados da época da ditadura que sobreviveu. Muitos anos depois, no início dos anos 2000, decidiu contar sobre o que viu (e quem viu) nos centros de concentração. Abriu-se então um inquérito para apurar as ações do senhor Miguel Etchecolatz, milico da época. Com evidências em mão, começou o julgamento, até que no dia 18 de Setembro de 2006, seria o último julgamento, onde o coronel Miguel Etchecolatz foi declarado culpado e preso por envolvimento na tortura e práticas políticas da ditadura.
Todos esperavam a testemunha, Lopez, neste dia. Lopez "não apareceu". Desapareceu. Desapareceu como desapareceram tantos jovens daquela época, que segundo o discurso de muitos militares, não estão mortos, estão vivendo em Cuba, e as famílias argentinas não têm notícias por conta do governo do Fidel, que fez com que os jovens desaparecidos da ditadura não tivessem vontade de voltar de lá.
Essas dores estão arraigadas nos argentinos. Muitos dos estudantes de hoje tiveram pais torturados na ditadura. O pai da Sole, que mora comigo, ficou preso por 5 anos. A mãe dela, que tem um bócio enorme, recusa-se a fazer uma cirurgia. Não vai a médicos até hoje, carregando a lembrança de muitos que ajudavam o governo militar a sacar a verdade dos jovens rebeldes.
No 18 de cada mês os estudantes, de todos os 3 grupos políticos, saem às ruas em Buenos Aires cobrando do Estado (Gobierno) uma resposta ao dado sumiço. Querem que investiguem, querem uma posição. É de fato assustador que ainda sumam com gente que luta por aqui (apesar de no Brasil isso não ser nada diferente - lembrando o caso do Toninho do PT, prefeito de Campinas morto em 2001).
Mas a marcha não deixa de ser, de alguma maneira, "coisa de adolescente". É onde as pessoas se encontram, conversam, há bateria, cantam, caminham pelas ruas em que geral não se pode caminhar, fechando o trânsito, trangredindo o dia a dia, levando faixas. A fantasia é o vermelho e negro. (tirando a cor do Flamengo, bem que lembra o Carnaval, não?). Talvez a Lívia esteja certa, a marcha é fruto da falta de Carnaval.
Tem um movimento de grafite muito forte também! Por onde passa a marcha, os grafiteiros deixam mensagens para que os caminham pela rua."Donde está Lopez?", "Sin Lopes no hay nunca más", "Aparición con vida yá de Julio Lopez"(esta última, em específico, me parece uma pauta de reivindicação bastante furada).
Se no Brasil, a pressão da informação da identidade nacional está no velho chavão de que "Brasileiro sempre se esquece", o que manda aqui é "O argentino nunca esquece".
Pode ser bom esquecer. Para seguir, às vezes é importante deixar as coisas para trás.
Onde está o equilíbrio entre este sempre e nunca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário