sábado, 14 de junho de 2008

TransitoAtivismo em La Plata (o Crónica de una bicimilitante)

Passou o inexplicável agora há pouco!

Em quase 4 meses na Argentina, o trânsito aqui a coisa que mais me enlouqueceu.
O número de acidentes de trânsito na Argentina cresce cerca de 4% ao ano. Do total de mortes no país, 35% é direta ou indiretamente pelo trânsito. Na grande mídia, a Argentina é colocada como o país da América do Sul com mais acidentes de trânsito, mas tem muita gente que diz que o aumento dessa estatística não é verdadeira, é só serve para aumentar o valor dos seguros dos automóveis. Esses são dados de leituras de muitas fontes, mas como são contraditórios, fico reproduzindo aqui informação que pode não ser verdadeira.

Por falar em automóveis, a coisa aqui é mais contraditória que no Brasil. Um monte de carro novo, tinta brilhando a saído de fábrica, cores sóbrias e neutras. Construção do modelo de consumo clássico de classe média, com um toque de não popular.E aí tem a frota dos antigos. Um dos grupos de carros antigos são os que circulam aqui e seriam peça de museu aí. Depois tem os velhos porque são velhos, e bem cuidados. E os que mais ocupam as calles são os velhos e mal conservados. Tá armado o caos.

Uma curiosidade: muitos dos carros daqui rodam a base de Diesel. Isso aumenta muito o ruído urbano (piorado com a má conservação dos carros). É comum ver um UNO passeando com o ruído de uma caminhonete ou de uma 4x4. A Gasolina (chamada de GASOIL) tá em falta. Tem posto que está fechado, e muitos vendem apenas uma cota de combustível, e para encher o tanque você tem que parar en vários postos (estación de servicio). Nas viagens que fiz, perdia-se uma hora na saída parando em diferentes postos de gasolina. Entretanto, se você for a um posto Petrobrás ou YPF o combustível é liberado. São as donas do negócio. A primeira já estamos bem familiarizados, e a segunda é uma petroquímica que tem uma (entre muitas) refinaria aqui em La Plata, e poluiu o campo da Facultade de Agronomia, reduzindo a área de pasto das vaquinhas que produzem leite para um comedor popular, em 70%. A proposta é converter todos os postos autônomos em postos das redes, e a a melhor maneira de fazê-lo é não abastecendo-os. Ou fale, ou se converte.

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La Plata não tem nenhuma estrutura para bicicletas, e a regulamentação do nacional de trânsito é muito superficial, não sanando diversas dúvidas de prioridade, certo e errado que felizmente o código brasileiro de trânsito resolve bem.
Para a legislação argentina, o link é esse: http://cicloviavel.multiply.com/journal/item/4

Até que...
Hoje às 13h30, estava passando por uma rua aqui, e me deparei com essa cena:
http://www.eldia.com.ar/edis/20080613/20080613154212.htm
Como ia fazer um trabalho em uma horta, tinha uma máquina para registrar o encontro com os meninos do bairro.
Acabei sendo a primeira fotógrafa da cena do incidente, e tirei umas fotos para postar no blog junto com um texto sobre o transito platense.

Já faz um tempo que estou indignada e assustada com o caos do transito daqui!
A cidade construída no final do séc. XIX, foi planejada, mas não para assistir a uma comunidade que se organiza hoje de outra maneira, com outra velocidade, diferente das carroças e carros daquela época.
Cada cruzamento é uma batida potencial. Só há semáforo nas grandes avenidas e em algumas diagonais mais frequentadas. Nas outras esquinas, vale a lei do mais forte. A lei é correr mais pra atravessar primeiro, frear na hora se for indispensável, e tratar ciclista e pedestre como alvos que atrapalham o caminho, ou seja, vão sinalizar que você ou corre ou pode perder um pedaço do corpo!
Armas potenciais nas mãos de gente despreparada (para não usar a palavra estúpida, essa sim na ponta da minha língua).
Uma carteira de motorista custa 72 pesos. Se não for de maior, e o papai autorizar, aos 16 anos na maior parte das províncias argentinas se pode emitir a carteira de motorista.
La Plata e alguns outros municípios possuem um sistema de avaliação regido municipalmente, em que existem provas semelhantes as do Brasil. Entretanto, o que a maioria faz é buscar um comprovante de residência em outro município com leis mais flexíveis. Aqui na região, acabam indo para Berisso e City Bell. Na capital, Buenos Aires, precisa fazer um curso teórico de uma semana como n Brasil.
Concordo que no Brasil é demasiado caro, mas a burocracia toda é válida sim. Eu juro que sinto falta do trânsito de Campinas.

Não se dá seta para virar. Sinalizar aqui é quase um luxo. O que sim, tem piscas-alertas quase todo o tempo parados no meio da rua, esperando alguém, algo, ou parado mesmo enquanto o motorista precisa ir resolver uma coisa rapidinho.

Triste e com o coração cheio de vontade de escrever um texto sobre o transito platense, em 2 semáforos com gente parada não em cima da faixa, mas já no meio da rua (onde circulam as bicicletas), saquei a minha arma (a câmara) e tirei uma foto. Sem ver motorista, placa, nada! Só a irregularidade que tantos habitantes platenses cometem e tratam como se fosse normal.

O senhor motorista do carro que fotografei, parou o carro (no meio da rua, obviamente), e veio até mim, me ameaçando, dizendo que não podia fazer isso. Falei com toda a calma do mundo que não podia identificá-lo, mostrei a foto, e nada. Apaguei a dita foto. Chega dizendo que é polícia, e que o que eu estou fazendo é ilegal (situação de estrangeira oprimida com medo de te fato ter feito uma cagada). Sujeito com cara de mal, um metro e meio de altura, cabeça careca lustrada, bigodão negro. Me perguntava de onde eu era, insistentemente, e o que estava fazendo na Argentina. Muitos rodeios para não dar a informação, e a violência verbal piorando. Pára um homem, e diz para eu não me preocupar. Fica ali parado, com cara de pastel, entendo a situação, e com uma ponta de sadismo, tanto em relação a mim quanto ao cara. O "policial" diz que vai chamar a comisaria. O pastel empresta o celular para ele (ao invés de dizer a ele que tá tudo bem e deixar-me ir). Chama a polícia, diz que tem uma emergência na 12 e 44. EMERGÊNCIA. Tudo bem. Volta com as perguntas, e prefiro dizer que sou brasileira, e estou de intercâmbio na agronomia. (não queria contradições com o possível B.O.) Me diz agora que eu tinha que apagar também a foto que tirei do carro parado sobre a calçada de uma esquina, com o pisca-alerta ligado. Apaguei. Vou embora então, não? Outra vez me segura pela bicicleta, não me deixa ir (cheguei a pedalar em falso, me suspendeu no ar). E o pastel, outra vez, ao invés de fazer campanha para resolver a situação na paz, queria ver o circo pegar fogo. Com esse tipo eu não poderia contar.
Mulher, estrangeira, ameaçada por um "policial".
-Mas por que você tá tirando foto? Você não estuda periodismo (jornalismo) estuda agronomia. (Nessa hora você que a sociedade humana realmente está mal das pernas).
-Eu participo de um grupo de ciclistas no Brasil, e queria compartilhar um pouco como é a situação aqui com eles.
- Você não é autoridade, não pode me dar uma multa? Depois você vai querer me dar uma multa por isso.
-
Eu já não tem mais sua foto, nem a deste carro.
-Você tá com seus documentos ai?
-
Estou.
-Me mostra?
-Não. Então, seu carro tá parado no meio da rua.
-Não importa se baterem, o carro é meu.
-É disso que eu to falando, não que vá estragar o carro, mas põe a vida das pessoas em risco.
-Antes de me acusar, você tem que pedir pra que o governo pinte essa faixa melhor, vê como tá.
-Eu sei disso, por isso deste o começo eu disse que não tire uma foto do seu carro para te acusar, e sim para retratar uma situação.
-Eu dirijo assim mesmo, todo mundo dirige assim aqui. Se você quer tirar foto, vai tirar foto do Brasil. Eu não posso ir pro Brasil e sair tirando foto de tudo que eu quero. Eu não posso tirar uma foto sua lá.
-
Senhor, eu não tirei uma foto sua, e esta a que você se refere já está apagada. (como foi difícil sair a palavra borrar nessa conversa)

O cara de pastel segue passivo à situação. Acho que ele esperava a imprensa para dar uma entrevista, ou queria ver algum dos dois se fuder, outra vez, por puro sadismo. Uma última tentativa de diálogo para que me deixasse ir antes de eu talvez ser levada por camburão a delegacia. O trato das pessoas nas delegacias aqui traz resquícios do passado de ditadura. Não existe lei, não existe coerência, não existe ética. Se fazem minha identificação e me levam para a polícia, alguma merda pro meu lado ia ser criada. Justificativa, se não se acha se cria.
Já parei de me preocupar em tentar escapar. O pastel não me ajudava, e ampliar meus crimes para violência física contra a tal autoridade era algo que eu não queria (apesar de até agora eu não saber se o cara era ou não polícia de verdade). Tentei diálogo, estendi a mão (e me lembrei de que aqui ele não usam as mãos para se cumprimentar. Na verdade não se tocam para quase nada, mas todos, conhecidos ou desconhecidos, se cumprimentam com beijo no rosto). Retiro a mão, volto a pedir desculpas, e a dizer que não sou uma ameaça. Pergunto quanto tempo tarda pra chegar a comisaria, e não sabe me dizer. Tento usar a argumentação de que tenho algo muito importante por fazer e preciso mesmo ir. Um olhar um pouco mais solidário. Aparentemente percebeu que até aquele momento não havia dito nenhuma mentira, e se solidarizou.
Minha última humilhação por não ter feito nada, foi apagar todas as fotos que estavam na câmera. As do acidente do link, de alguns amigos, de alguns lugares. Por sorte apenas o material dessa semana. Indiretamente, o cara violou um pedaço de mim.

Vale ressaltar que todo este diálogo se deu em espanhol argentino, e sob pressão, é muito mais difícil expressar-se em outro idioma, entender algumas palavras-expressões, e a chance de se piorar a situação é sempre maior que em uma discussão de paridade idiomática.

Saí pedalando sem olhar pra trás. Se no meio da rua, com pessoas ao meu redor, me senti desnuda nesta situação, não consigo imaginar como era ser um jovem fora da normalidade na época da ditadura, de fato sem roupa, sem comida, sem dormida, sendo acusado de crimes que não cometeu.

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Acho que no fundo, eu só queria estar no Brasil pra andar de bike pelada em São Paulo amanhã!

(o fato de este post não ter foto se justifica pela história já contada)

4 comentários:

  1. Puta merda, que argentino filho da puta! Quanto ao transito, por um momento pensei que era um blog de alguém de Lima!

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  2. Natalie!

    Fui na bicicletada motivada pela tua imensa vontade de ir. Terminei agora de postar as fotos e escrever o relato.
    Foi uma experiência nova, e muito mal divulgada pela mídia.
    Abraço,
    Lou.

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  3. pota que o paréo!!!
    Não sei nem o que te dizer...
    Algumas vezes acho que o mundo tem jeito... algumas vezes acho que não...
    Muito triste... queria te abraçar agora!
    Um beijo minha amiga!!! :*

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  4. Da miedo salir sin saber si volvés a tu casa. Te podés morir de la manera más tonta, atropellado por un auto, por alguien negligente. Cosas que pasan en la Argentina. Un cambalache.

    Espero que aun así quieras seguir honrándonos con tu presencia!!!

    Saludos.

    nazu

    PD: ¿qué opinás de Paulinho Moska? Escuché cosas que me gustaron mucho.

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