Sexta-feira 17 de julho, última noite do
Ramadan, o mês sagrado para os muçulmanos. A chamada da mesquita para a última
reza da noite, o Taraweeh, foi há algumas horas. Queria ter ido ver as ruas
cheias de homens. As ruas, porque as mesquitas ficam tão cheias que as pessoas
não cabem dentro delas neste período do ano. E de homens, porque apesar das mulheres saírem mais durante o Ramadam, em geral nesta hora elas estão em casa cuidando das crianças.
Não sou muçulmana, mas o momento desta reza é realmente mágico. Homens enfileirados e como em uma quase coreografia, inclinando-se, ajoelhando-se, e levantando, todos juntos, durante as pequenas pausas na leitura do corão.
Não sou muçulmana, mas o momento desta reza é realmente mágico. Homens enfileirados e como em uma quase coreografia, inclinando-se, ajoelhando-se, e levantando, todos juntos, durante as pequenas pausas na leitura do corão.
Esperando o Ftour, em Mèknes. |
O Ramadan é um mês para se conectar com
Deus, com as necessidades humanas, para aprender a partilhar, para ter uma vida
mais frugal e agradecer a coisas que sempre temos e não nos damos conta.
Foram 30 dias em que a rotina do
país mudou completamente. Um mês em que
minhas roupas tiveram que ser melhor pensadas : pernas e ombros cobertos.
Como o Marrocos recebe muitos turistas, estrangeiros não costumam ser
reprimidos ou ter qualquer tipo de restrição. Mas como eu vivo aqui, não vejo
porque chocar vizinhos, taxistas ou as pessoas que convivem comigo.
Durante o mês do Ramadan, a maior parte
dos restaurantes fecha completamente,
aproveitando o tempo para fazer reformas ou dar férias coletivas ao pessoal. Se ficam abertos, abrem apenas pela noite, adaptando o menu para o
“ftour”. Ftour é “café da manhã” em
árabe, tipicamente composto pela Harira (uma sopa marroquina), Baghrir (espece de
panqueca), água, tâmaras, Chibikia (doce marroquino feito a base uma massa
banhada em mel) , suco de laranja, e em alguns casos, ovo e leite. Para se ter
uma ideia, na capital, Rabat, haviam apenas 3 restaurantes abertos para o almoço, e
o McDonalds, que funciona o dia todo sem parar.
Mulheres menstruadas são isentas de fazer
o jejum, mas devem recuperar esses dias depois do Ramadan. Crianças podem e
devem comer. Pessoas idosas, mulheres grávidas, doentes crônicos (diabetes,
etc.) também são liberados do jejum.
Apesar do jejum obrigatório entre o nascer
e o por do sol, durante o Ramadan há um aumento importante no consumo de
alimentos. Meu raciocínio é que come-se ou desperdiça-se mais comida nesse
período, indo um pouco na contramão dos objetivos do mesmo.
O jejum do Ramadan não é apenas de comida.
Ele inclui água, cigarros, e até mesmo sexo: pessoas casadas não podem manter
relações sexuais durante a luz do dia. Os princípios deste jejum estão em
controlar os desejos e desenvolver mais autocontrole sobre as vontades.
A questão é que o Ramadan por aqui não é
opcional para cidadãos marroquinos, mas definido pelo Estado, o Reino do Marrocos. Como estrangeira, eu poderia
comer e beber a hora que quisesse, mas isso é mal visto, é um certo desrespeito
fazer isso em público quando toda a população ao seu redor não o faz. Viajando
com meus pais a temperaturas de 40 graus, nos escondíamos em cantinhos das
Medinas para poder tomar água. Na semana passada dois homens marroquinos foram condenados
a 2 meses de prisão por terem tomado um suco de laranja em Marrakech. Isso vem
do artigo 222 do Código Penal, “quebra do jejum em público”.
O álcool também não é permitido no islã,
mas os supermercados aqui no Marrocos tem uma sessão, em geral no subsolo,
especializada na venda dos mesmos. O Marrocos é inclusive, um grande produtor
de vinhos, na região de Mèknes. A venda, teoricamente, é permitida pois é
dirigida aos estrangeiros apesar de muitos marroquinos, mas muitos mesmo,
estarem sempre comprando nessa sessão. No entanto, uma semana antes do Ramadan,
a venda de álcool já estava proibida, e só reabre na semana que vem.
Fora tudo isso, a mudança no horário do
comércio é muito interessante. Estabelecimentos de comer (bares e restaurantes)
estão fechados durante o dia, mas viram uma espécie de rotisserie, e passam a
vender doces e salgados para levar para se comer em casa apenas na hora do
ftour. O resto do comércio fecha mais cedo, às 16 ou 17 horas, e volta a reabrir
às 21, depois do ftour, ficando aberto até meia-noite. Em geral o comércio
fecha entre 19 e 20h00.
Amanhã é o Eid al-Fitr. É uma das duas
grandes festas no Islã (a outra, este ano será em setembro, o Aït-el-Kébir). É uma festa para celebrar em família, como a
Páscoa ou o Natal para os cristãos. Evitei ser convidada porque o conceito de
vegetarianismo aqui é mal entendido, e não quero passar o dia todo recusando
comida. Mas quero sair às ruas para ver as roupas novas na primeira reza do
dia, as tatuagens de henna nas mãos das mulheres, os presentes novos das
crianças, essa grande festa que vai durar uns 3 dias.
Apesar dos restaurantes fechados, de ter
que se cobrir um pouco mais com as roupas nesse período, acho uma época
incrível para se visitar o Marrocos. Para mim, o ideal é passar uma temporada
que inclua a transição do Ramadan, para ver o quanto a sociedade muda nesse
período. Até porque, a melhor coisa que aconteceu durante o Ramadan, foi a
redução do assédio dos homem, que incrivelmente, é pior do que no Brasil. Como
eu não fiz o jejum, por este último motivo, por mim poderia ser Ramadan o ano
todo. Foi o único período em que pude andar sossegada pelas ruas, sem receber
cantadas em árabe, francês ou inglês.
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