segunda-feira, 20 de julho de 2015

O Ramadan no Marrocos

Sexta-feira 17 de julho, última noite do Ramadan, o mês sagrado para os muçulmanos. A chamada da mesquita para a última reza da noite, o Taraweeh, foi há algumas horas. Queria ter ido ver as ruas cheias de homens. As ruas, porque as mesquitas ficam tão cheias que as pessoas não cabem dentro delas neste período do ano. E de homens, porque apesar das mulheres saírem mais durante o Ramadam, em geral nesta hora elas estão em casa cuidando das crianças.

Não sou muçulmana, mas o momento desta reza é realmente mágico. Homens enfileirados e como em uma quase coreografia, inclinando-se, ajoelhando-se, e levantando, todos juntos, durante as pequenas pausas na leitura do corão.

Esperando o Ftour, em Mèknes.

O Ramadan é um mês para se conectar com Deus, com as necessidades humanas, para aprender a partilhar, para ter uma vida mais frugal e agradecer a coisas que sempre temos e não nos damos conta.

Foram 30 dias em que a rotina do país mudou completamente.  Um mês em que minhas roupas tiveram que ser melhor pensadas : pernas e ombros cobertos. Como o Marrocos recebe muitos turistas, estrangeiros não costumam ser reprimidos ou ter qualquer tipo de restrição. Mas como eu vivo aqui, não vejo porque chocar vizinhos, taxistas ou as pessoas que convivem comigo.

Durante o mês do Ramadan, a maior parte dos restaurantes fecha completamente,  aproveitando o tempo para fazer reformas ou dar férias coletivas ao pessoal. Se ficam abertos, abrem apenas pela noite, adaptando o menu para o “ftour”.  Ftour é “café da manhã” em árabe, tipicamente composto pela Harira (uma sopa marroquina), Baghrir (espece de panqueca), água, tâmaras, Chibikia (doce marroquino feito a base uma massa banhada em mel) , suco de laranja, e em alguns casos, ovo e leite. Para se ter uma ideia, na capital, Rabat, haviam apenas 3 restaurantes abertos para o almoço, e o McDonalds, que funciona o dia todo sem parar.

Mulheres menstruadas são isentas de fazer o jejum, mas devem recuperar esses dias depois do Ramadan. Crianças podem e devem comer. Pessoas idosas, mulheres grávidas, doentes crônicos (diabetes, etc.) também são liberados do jejum.

Apesar do jejum obrigatório entre o nascer e o por do sol, durante o Ramadan há um aumento importante no consumo de alimentos. Meu raciocínio é que come-se ou desperdiça-se mais comida nesse período, indo um pouco na contramão dos objetivos do mesmo.

O jejum do Ramadan não é apenas de comida. Ele inclui água, cigarros, e até mesmo sexo: pessoas casadas não podem manter relações sexuais durante a luz do dia. Os princípios deste jejum estão em controlar os desejos e desenvolver mais autocontrole sobre as vontades.

A questão é que o Ramadan por aqui não é opcional para cidadãos marroquinos, mas definido pelo Estado,  o Reino do Marrocos. Como estrangeira, eu poderia comer e beber a hora que quisesse, mas isso é mal visto, é um certo desrespeito fazer isso em público quando toda a população ao seu redor não o faz. Viajando com meus pais a temperaturas de 40 graus, nos escondíamos em cantinhos das Medinas para poder tomar água. Na semana passada dois homens marroquinos foram condenados a 2 meses de prisão por terem tomado um suco de laranja em Marrakech. Isso vem do artigo 222 do Código Penal, “quebra do jejum em público”.

O álcool também não é permitido no islã, mas os supermercados aqui no Marrocos tem uma sessão, em geral no subsolo, especializada na venda dos mesmos. O Marrocos é inclusive, um grande produtor de vinhos, na região de Mèknes. A venda, teoricamente, é permitida pois é dirigida aos estrangeiros apesar de muitos marroquinos, mas muitos mesmo, estarem sempre comprando nessa sessão. No entanto, uma semana antes do Ramadan, a venda de álcool já estava proibida, e só reabre na semana que vem.

Fora tudo isso, a mudança no horário do comércio é muito interessante. Estabelecimentos de comer (bares e restaurantes) estão fechados durante o dia, mas viram uma espécie de rotisserie, e passam a vender doces e salgados para levar para se comer em casa apenas na hora do ftour. O resto do comércio fecha mais cedo, às 16 ou 17 horas, e volta a reabrir às 21, depois do ftour, ficando aberto até meia-noite. Em geral o comércio fecha entre 19 e 20h00.

Amanhã é o Eid al-Fitr. É uma das duas grandes festas no Islã (a outra, este ano será em setembro, o Aït-el-Kébir).  É uma festa para celebrar em família, como a Páscoa ou o Natal para os cristãos. Evitei ser convidada porque o conceito de vegetarianismo aqui é mal entendido, e não quero passar o dia todo recusando comida. Mas quero sair às ruas para ver as roupas novas na primeira reza do dia, as tatuagens de henna nas mãos das mulheres, os presentes novos das crianças, essa grande festa que vai durar uns 3 dias.


Apesar dos restaurantes fechados, de ter que se cobrir um pouco mais com as roupas nesse período, acho uma época incrível para se visitar o Marrocos. Para mim, o ideal é passar uma temporada que inclua a transição do Ramadan, para ver o quanto a sociedade muda nesse período. Até porque, a melhor coisa que aconteceu durante o Ramadan, foi a redução do assédio dos homem, que incrivelmente, é pior do que no Brasil. Como eu não fiz o jejum, por este último motivo, por mim poderia ser Ramadan o ano todo. Foi o único período em que pude andar sossegada pelas ruas, sem receber cantadas em árabe, francês ou inglês.

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