segunda-feira, 22 de maio de 2017

Sobre a vinda do cacique Ládio Veron à Viena

Na semana passada, o cacique da etnia Guarani-Kaiowá Ládio Veron esteve em Viena. Com o objetivo de ampliar o apoio internacional à luta pela terra no Mato Grosso do Sul (MS), e dar visibilidade ao genocídio indígena acontecendo há tantos anos por lá, ele está passando por diversos países da Europa em uma viagem financiada pelo Tribunal Popular. Acompanhando o cacique voluntariamente nessa viagem com fundos próprios enquanto tradutor e facilitador, está Jordi, espanhol que vive no Brasil e trabalha como educador em São Paulo, possivelmente na TI Jaraguá.

Se você ainda não sabe do genocídio dos Guarani-Kaiowá, há um relato oficial no site da Câmara dos Deputados e na página do ISA.

O povo Guarani-Kaiowá vive em constante conflito com pistoleiros, milícias e paramilitares dos grandes fazendeiros no Mato Grosso do Sul. Marcos Veron foi executado em 2003.  Cloudione Rodrigues Souza em 2016. Eles vivem hoje como refugiados de guerra em barracas de lona às margens das rodovias, por ser território da União. Mas não se come, não se caça, não se planta, não se vive dignamente nessas condições.

O território hoje em disputa pelos Guarani-Kaiowá é ocupado por cana-de-açúcar e usinas. Vale relembrar da relação entre açúcar e trabalho escravo no Brasil, que no MS costuma ser mais que em outros estados, de trabalhadores indígenas.

O povo Guarani precisa de terra para poder viver conforme suas práticas e costumes. Hoje uma Reserva Indígena próxima a Dourados abriga mais de 15 mil indígenas, em um território que não tem capacidade de carga para todas essas pessoas (3500 hectares). Eles tentam reconquistar os territórios perdidos durante o processo de regulamentação fundiária, mas são constantemente despejados. Em março deste ano a ministra Carmen Lúcia barrou uma ação e reintegração de posse contra os Guarani-Kaiowá, pelo grave risco de perdas de vidas humanas. Existem, ao menos, pequenas vitórias.

Se você é um urbanóide e acha que 3500 hectares está mais que bom, preciso te explicar que não. O modo de vida indígena não é o mesmo de um morador de apartamento na Zona Sul do Rio ou em São Paulo. Eles precisam de terra para produzir, se não tudo, boa parte da sua subsistência. Não se pode usar os mesmos parâmetros de vida que a nossa cultura neoliberal nos impõe para eles. Do ponto de vista legal, já existem 16 terras homologadas pela FUNAI, mas que ainda não passaram pela assinatura enquanto decreto presidencial. A PEC 215 piora o cenário, passando a demarcação de terras indígenas do poder executivo para o legislativo.


Para saber mais sobre os Guarani-Kaiowa, acesse:
- Entrevista com Spenzy Pimentel
- Comitê Internacional de Solidariedade ao Povo Guarani-Kaiowá
- Reserva Indígena de Dourados (Jaime Ribeiro de Santana Junior)
- Sobre a demarcação das terras Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul
- Para entender mais sobre demarcação - FUNAI


Qual o objetivo dessa jornada?

O povo Guarani-Kaiowá organizará um seminário de observação internacional em seu território, a partir de 15 de agosto, que culminará com uma plenária.

Nesse momento, eles buscam observadores internacionais para participar deste acampamento que durará quase 2 semanas. Em Viena, quem organizou a vinda do cacique Ládio foi o grupo Samba Attac (que além de se engajar com questões políticas no Brasil, faz samba).

Há necessidade agora é mobilizar cidadãos austríacos (preferencialmente que falem português) e mobilizar fundos para que eles possam ir ao Brasil.

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Uma pequena experiência pessoal, pra você que não acredita na violência do MS

Volta pra 2011, quando eu trabalha pro GAIA Social nos municípios de Brasilândia e Três Lagoas para um projeto financiado pelo Instituto Votorantim: responsabilidade social empresarial.

Trabalhava em um diagnóstico sócio-econômico, que seria usado de base para o o estabelecimento de cadeias produtivas locais. Como o objetivo era integrar as comunidades mais vulneráveis, fazia parte do processo inicial avaliar o potencial e o interesse da comunidade em participar do projeto.

No entanto, para se visitar uma Reserva Indígena pela primeira vez é necessário estar acompanhado de um agente da FUNAI. Pela manhã, peguei o carro do projeto e fui buscar o técnico da FUNAI no escritório no centro da cidade, em Brasilândia. Dali tínhamos algo em torno de 40 quilômetros em estrada de terra arenosa do cerrado até a aldeia.

Eu estava dirigindo, e lá pelo quilômetro 10 desse trajeto, no meio dos chacoalhões dados pelo carro por conta das ondas de areia na estrada, vejo que o técnico ao meu lado estava sem o cinto de segurança.
 - Será que você poderia colocar o cinto? O carro está chacoalhando, por segurança.
Ele levanta a camisa, e me mostra uma pistola na altura da cintura.
- Sabe o que é, não posso colocar o cinto, porque se algum carro interceptar a gente na estrada, eu preciso conseguir me mexer rápido pra sair do carro.
Meu coração dispara. Oi?? Como assim? E eu, fico aqui pra ser baleada? Começo a dirigir com todos os sentidos, esperando uma emboscada a qualquer minuto.
- Eu investiguei a venda ilegal de maquinários pelo antigo cacique, que fugiu com o dinheiro. Achei as máquinas, mas os fazendeiros que compraram os equipamentos ilegalmente não querem ser investigados. Então estou marcado de morte.

Em menos de 4 dias, felizmente, ele conseguiu ser realocado pela FUNAI em outro município, para ter a chance de seguir vivendo.

O que acontece com muitos fazendeiros no Mato Grosso do Sul, é crime organizado, extremamente armado, e sem nenhum pudor em tirar vidas.




Demarcação Já!




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